quinta-feira, maio 06, 2004

Gostos

Gosto de viver onde vivo.
Às vezes olho para trás e dou conta que já tenho quase tanto tempo daqui, como da terra que me viu nascer. Não me queixo disso, que se note.
Lá, essa terra que me viu nascer é mais badalada, tem mais que fazer, à mais onde ir, mas também, é mais agressiva, mais cansativa, mais impessoal. Não me vejo a voltar definitivamente, apenas de ferias, curtas ou de alguns meses mas, apenas isso.
Aqui onde vivo, apesar de pequena e rodeada de mar, sinto-me mais à vontade, é menos agressiva, apesar de não ter tanto onde ir, tanto que fazer, enfim são opções.
Lembro-me que quando pela manhã ia trabalhar apanhava sempre os mesmos autocarros, o 56 para o Areeiro e mais um para o Aeroporto e, no entanto, apesar das caras serem quase sempre as mesmas, havia sempre aquele ar de desconfiados no ar.
Apesar de já senti-los quase como família, de saber quem era quem, onde entrava e onde saía ou, quando um dia não entrava na paragem do costume, ficar a pensar o que teria acontecido, havia sempre aquela distância de segurança.
Era pena o que sentia mas, percebia já que eu, se calhar sem me aperceber fazia o mesmo. Era pena, porque durante quase 45 minutos de viagem, poderiam ter feitas algumas amizades e não forma feitas. Até, poderiam ter havido casamentos entre alguns passageiros, onde me incluo como tal mas, sempre as mesmas caras pálidas e sem sentimentos.
Aqui, bem aqui as coisas são um pouco diferentes. Aqui, quando entro no mini-autocarro do parque de estacionamento exterior à cidade em direcção ao centro, mal se entra, já o condutor está a dar uns bons dias sorridentes. Mal me sento, se alguém se senta ao pé de mim, começa-se logo a falar, mais que não seja do estado do tempo.
Ao contrário de alguns familiares que já me visitaram, que se sentiam presos, porque não tinha como sair daqui, sem ser de avião, sinto-me liberto.
Liberto ao olhar o mar e senti-lo como uma extensão de mim, liberto porque sinto os meus pensamentos como cartas, cartas metidas dentro de garrafas e atiradas á água em direcção a qualquer parte ou a parte nenhuma.
Contemplo o mar, na sua imensidão azul e, ao contemplá-lo sinto que a distância que me separa dessa terra é a mesma que me une...num cordão umbilical invisível.
Gosto de viver aqui, nesta ilha de Jesus, mesmo que para isso, tenha abdicado de muitas coisas, materiais talvez.

Sem comentários: