quarta-feira, setembro 29, 2010

"Hoje temos crianças com baixa tolerância à frustração"

"Os problemas comportamentais das crianças hoje em dia vão estar em foco na quarta sessão do Fórum Pais intitulado “Pequenos e Teimosos” que se realiza no próximo sábado no Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo.



O psicólogo responsável pela formação, Ricardo Brasil, afirma que é preciso dizer “não” aos “nãos” das crianças para que elas adquiram mecanismos de gestão da frustração.


“Actualmente temos crianças com uma baixa tolerância à frustração, crianças desobedientes, crianças que querem impor a suas regras e os seus limites e, portanto, crianças que têm uma grande dificuldade em ouvir o «não»”, assim define, num parágrafo, as crianças de hoje em dia, Ricardo Brasil, formador do próximo Fórum Pais que se realiza sábado no Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo, numa iniciativa promovida pelo Serviço de Pediatria do Hospital de Santo Espírito.


Trata-se de “grandes traços comportamentais diferentes do que existiam antigamente”.


Entre os factores que explicam as birras infantis estão “além da nossa constituição física, dos factores biológicos e genéticos, o meio, a educação e aí, os modelos educacionais são extremamente importantes”.


As responsabilidades dos pais são, neste campo, decisivas: “hoje em dia, os pais têm ritmos acelerados”, que acabam por criar o conceito de “crianças-agenda”, ou seja, explicou, a repartição do dia das crianças por múltiplas tarefas após as quais os pais ficam “sem tempo” para o “necessário” convívio familiar.


Pais “aterrorizados”


“Hoje em dia há queixas de pais contra filhos devido a agressões. Temos pais que nos chegam aterrorizados porque não sabem como lidar com os filhos”, explica: “existem “muitos pedidos de ajuda”.


Os mecanismos de solicitação de ajuda são, conta, vários: “no hospital de Angra, por exemplo, as consultas externas de psicologia estão cheias; as clínicas privadas também estão muito sobrecarregadas hoje em dia. Cada vez mais.”


Se a maioria dos casos é referente a problemas comportamentais graves das crianças, há situações onde se pretende prevenir atempadamente os problemas: “existem situações em que os pais querem tratar de forma antecipada problemas no caso de divórcios, mas a maior parte dos casos, são pais completamente desgastados, porque hoje em dia temos crianças muito egocêntricas, que querem ser centro da atenção, omnipotentes, o que faz com que haja um desgaste muito grande do cuidador”.


Desgaste que, referiu, leva a situações extremas: “temos muitas pessoas com depressões, ansiedades, alguma desorganização psíquica devido à sobrecarga”.


“Os pais, de certa forma, acabam por ter consciência”, da sua responsabilidade na construção dessa personalidade egocêntrica, denota.


O que falta aos pais, refere, “é insistir, é a repetição” da autoridade: “não vale a pena dizer «não» uma vez, duas ou três – se calhar é preciso dizer 20 vezes, para aquela criança interiorizar que aquela birra não vai ter efeito. O pai nunca poderá ceder a uma birra”. Mas, Ricardo Brasil, reconhece que o acontece é que as crianças acabam por «vencer os pais pelo cansaço».


Castigo primeiro palmada com medida


Questionado sobre os métodos de reprimenda educacionais mais eficazes, o especialistas adverte que a palmada “não deve ser usada com frequência, mas deverá ser introduzida na educação sempre que necessária e, é claro, com medida, e nunca com excesso”.


“Um castigo é mais eficaz do que uma palmada”– defende, acrescendo que “Daniel Sampaio refere que a palmada deverá existir, mas deverá ser introduzida na hora certa”.


Nas sua prática clínica, o psicólogo refere que o tratamento de crianças problemáticas é muito variável, podendo ser “muito morosos”, como podem ser resolvidas “em alguns meses”, tendo o psicólogo casos que já segue há três e há 4 anos.


A introdução de limites, aconselha, “é extremamente importante até à formação do «eu» da criança, ou seja, até à altura em que a criança se vai formar como um ser social, como um todo, corpo e mente. Até essa fase dos dois anos, já é necessário introduzir limites”.


“Antes dos dois, três anos uma criança tem de começar a ser frustrada”, como forma de criar nela mecanismos de gestão do conflito, de resolução do “não” e de, em última análise, levar ao “amadurecimento das suas instância psíquicas”.


“Se as crianças não foram frustradas e continuarem super – protegidas e mimadas vamos ter adultos muito inseguros, adultos que terão uma grande dificuldade no processo de tomada de decisão e de adultos que vão sempre requerer apoio. Também poderemos ter adultos que vão desenvolver comportamentos de obsessão tão grandes que vão tornar-se pessoas agressivas”.


Currículo


Ricardo Brasil, licenciou-se em Psicologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, tendo-se mestrado em Psicologia, Aconselhamento e Psicoterapias.


Efectuou os cursos de pós graduação em “Estruturas de Personalidade e Psicopatologia”, promovido pela UNIPSI – Unidade de Formação Avançada em Psicologia, e em “Avaliação Psicológica na Infância e na Adolescência” na Faculdade de Psicologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, tendo frequentado o curso pós graduado de aperfeiçoamento em “Maus-tratos na criança e no adolescente: Violência sexual – psicopatologia”, na Faculdade de Medicina de Lisboa – Instituto de formação avançada e ainda o curso de formação em Ludoterapia promovido pela Reflexos, Lisboa


Actualmente, o especialista é psicólogo clínico da Casa de Saúde São Rafael, no Centro de Promoção de Autonomia e coordenador do Centro de Promoção de Autonomia deste mesmo instituto, além de fazer clínica privada e voluntariado na Irmandade de Nossa Senhora do Livramento.


Da gravidez à adolescência


O programa da quarta sessão do Fórum Pais, arranca, no próximo sábado, pelas 14H00, com uma introdução ao desenvolvimento infantil, onde será colocada a questão: “Somos como nascemos ou consequência da educação que nos deram?” e tratada a temática dos comportamentos, desde a gravidez, os primeiros meses e os três anos, altura da socialização, das redes de relação, das regras de conduta social.


“Como educamos: introdução de limites/pais autoritários versus pais permissivos/ influência das mudanças do comportamento serão outras das temáticas debatida no Centro Cultural e de Congressos de Angra.


Além da apresentação de casos clínicos, será abordada uma temática intitulada: “Crianças mimadas /Adolescentes agressivos”, encerrando os trabalhos do Fórum Pais às 17H00.

As pessoas interessadas poderão inscrever-se no secretariado do serviço de Pediatria do Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo, através do telefone 295 403 200 (extensão 3270). O valor das inscrições, de cinco euros, reverterá para a aquisição de equipamentos para o serviço de pediatria do hospital de Angra."

Artigo publicado no Jornal "A União" de hoje.